Este blog foi criado pela universitária Raile Cabral estudante do curso de Letras da Universidade de Pernambuco - Campus Garanhuns, e tem por finalidade contribuir com a disseminação de informações que combatam o preconceito linguístico, bem como, ajude a entender o fenômeno de variação da língua. Todo conteúdo aqui disponibilizado, poderá servir de uso e apoio ao trabalho de professores de Língua Portuguesa no ensino fundamental. As postagens contidas nesse blog também contribuirão para a divulgação do trabalho e pesquisa desenvolvida pela estudante no corrente ano (2016).

"A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas.” (PCN 1997, p.26)

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domingo, 17 de abril de 2016

Cultura e Literatura Popular
Patativa do Assaré 


    Cante lá, que eu canto cá

    Poeta, cantô de rua, 
    Que na cidade nasceu, 
    Cante a cidade que é sua, 
    Que eu canto o sertão que é meu.

    Se aí você teve estudo, 
    Aqui, Deus me ensinou tudo, 
    Sem de livro precisá 
    Por favô, não mêxa aqui, 
    Que eu também não mexo aí, 
    Cante lá, que eu canto cá.


    Você teve inducação, 
    Aprendeu munta ciença, 
    Mas das coisa do sertão 
    Não tem boa esperiença. 
    Nunca fez uma paioça, 
    Nunca trabaiou na roça, 
    Não pode conhecê bem, 
    Pois nesta penosa vida, 
    Só quem provou da comida 
    Sabe o gosto que ela tem.


    Pra gente cantá o sertão, 
    Precisa nele morá, 
    Tê armoço de fejão 
    E a janta de mucunzá, 
    Vivê pobre, sem dinhêro, 
    Socado dentro do mato, 
    De apragata currelepe, 
    Pisando inriba do estrepe, 
    Brocando a unha-de-gato.


    Você é muito ditoso, 
    Sabe lê, sabe escrevê, 
    Pois vá cantando o seu gozo, 
    Que eu canto meu padecê. 
    Inquanto a felicidade 
    Você canta na cidade, 
    Cá no sertão eu infrento 
    A fome, a dô e a misera. 
    Pra sê poeta divera, 
    Precisa tê sofrimento.


    Sua rima, inda que seja 
    Bordada de prata e de ôro, 
    Para a gente sertaneja 
    É perdido este tesôro. 
    Com o seu verso bem feito, 
    Não canta o sertão dereito, 
    Porque você não conhece 
    Nossa vida aperreada. 
    E a dô só é bem cantada, 
    Cantada por quem padece.


    Só canta o sertão dereito, 
    Com tudo quanto ele tem, 
    Quem sempre correu estreito, 
    Sem proteção de ninguém, 
    Coberto de precisão 
    Suportando a privação 
    Com paciença de Jó, 
    Puxando o cabo da inxada, 
    Na quebrada e na chapada, 
    Moiadinho de suó.


    Amigo, não tenha quêxa, 
    Veja que eu tenho razão 
    Em lhe dizê que não mêxa 
    Nas coisa do meu sertão. 
    Pois, se não sabe o colega 
    De quá manêra se pega 
    Num ferro pra trabaiá, 
    Por favô, não mêxa aqui, 
    Que eu também não mêxo aí, 
    Cante lá que eu canto cá.


    Repare que a minha vida 
    É deferente da sua. 
    A sua rima pulida 
    Nasceu no salão da rua. 
    Já eu sou bem deferente, 
    Meu verso é como a simente 
    Que nasce inriba do chão; 
    Não tenho estudo nem arte, 
    A minha rima faz parte 
    Das obra da criação.


    Mas porém, eu não invejo 
    O grande tesôro seu, 
    Os livro do seu colejo, 
    Onde você aprendeu. 
    Pra gente aqui sê poeta 
    E fazê rima compreta, 
    Não precisa professô; 
    Basta vê no mês de maio, 
    Um poema em cada gaio 
    E um verso em cada fulô.


    Seu verso é uma mistura, 
    É um tá sarapaté, 
    Que quem tem pôca leitura 
    Lê, mais não sabe o que é. 
    Tem tanta coisa incantada, 
    Tanta deusa, tanta fada, 
    Tanto mistéro e condão 
    E ôtros negoço impossive. 
    Eu canto as coisa visive 
    Do meu querido sertão.


    Canto as fulô e os abróio 
    Com todas coisa daqui: 
    Pra toda parte que eu óio 
    Vejo um verso se bulí. 
    Se as vêz andando no vale 
    Atrás de curá meus male 
    Quero repará pra serra 
    Assim que eu óio pra cima, 
    Vejo um divule de rima 
    Caindo inriba da terra.


    Mas tudo é rima rastêra 
    De fruita de jatobá, 
    De fôia de gamelêra 
    E fulô de trapiá, 
    De canto de passarinho 
    E da poêra do caminho, 
    Quando a ventania vem, 
    Pois você já tá ciente: 
    Nossa vida é deferente 
    E nosso verso também.


    Repare que deferença 
    Iziste na vida nossa: 
    Inquanto eu tô na sentença, 
    Trabaiando em minha roça, 
    Você lá no seu descanso, 
    Fuma o seu cigarro mando, 
    Bem perfumado e sadio; 
    Já eu, aqui tive a sorte 
    De fumá cigarro forte 
    Feito de paia de mio.


    Você, vaidoso e facêro, 
    Toda vez que qué fumá, 
    Tira do bôrso um isquêro 
    Do mais bonito metá. 
    Eu que não posso com isso, 
    Puxo por meu artifiço 
    Arranjado por aqui, 
    Feito de chifre de gado, 
    Cheio de argodão queimado, 
    Boa pedra e bom fuzí.


    Sua vida é divirtida 
    E a minha é grande pená. 
    Só numa parte de vida 
    Nóis dois samo bem iguá: 
    É no dereito sagrado, 
    Por Jesus abençoado 
    Pra consolá nosso pranto, 
    Conheço e não me confundo 
    Da coisa mió do mundo 
    Nóis goza do mesmo tanto.


    Eu não posso lhe invejá 
    Nem você invejá eu, 
    O que Deus lhe deu por lá, 
    Aqui Deus também me deu. 
    Pois minha boa muié, 
    Me estima com munta fé, 
    Me abraça, beja e qué bem 
    E ninguém pode negá 
    Que das coisa naturá 
    Tem ela o que a sua tem.


    Aqui findo esta verdade 
    Toda cheia de razão: 
    Fique na sua cidade 
    Que eu fico no meu sertão. 
    Já lhe mostrei um ispeio, 
    Já lhe dei grande conseio 
    Que você deve tomá. 
    Por favô, não mexa aqui, 
    Que eu também não mêxo aí, 
    Cante lá que eu canto cá.


                                       Patativa de Assaré/Antônio Gonçalves da Silva

    Patativa do Assaré, 1909-2002. Cante lá, que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino/ Patativa do Assaré. 16° Edição. Petrópolis; Vozes, 2011. 
Narradores de Javé 

Os narradores de Javé é um filme brasileiro de 2004, dirigido por Eliane Caffé. 


             Este filme conta a história de uma cidade (Javé) da Bahia, que iria ser inundada para a construção de uma hidrelética. A única maneira de salvar a cidade seria através da construção de um patrimônio histórico. 
                  O filme retrata a importância das narrativas orais para a construção da história e memória de um povo.
                  Este filme é, portanto um ótimo recurso para trabalhar a importância da oralidade ou dos recursos orais para a sociedade. 

Filme: Narradores de Javé